terça-feira, março 15, 2005

Atendimento Hospitalar II

Depois desse lindo cenário à nossa frente, ao nosso lado direito, um casal de velhos, que nos outros dias cheiram mal que tresanda mas que quando vão ao médico tomam o seu banho e vestem-se com camisolas interiores novas, não vá o médico querer oscultar. Bonito, se não fosse o facto de estarem num dentista.
A mulherzinha está falando, mexendo os dedos como quem faz contas de cabeça. Ao ínicio pensamos que tá falando com o marido , depois "será que ele tá falando comigo?" e só então é que percebes " ah, a mulher é louca e tá falando sozinha. Já podia ter dito, né?"
O senhor, esse impávido e sereno, parece que morreu, mas não, tá só a dormir, a bater a sua sorna, que isto de dar passeios no jardim e estar sentado nos bancos a olhar para as pernas e para os cús das moças cansa, o que é que pensam?! Ah pois é....
Num canto algures da sala de espera está aquele individuo de meia idade que não nos tira os olhos de cima. A sua expressão mete medo. Parece um psicopata ou um tarado ou ambas as coisas - o que é bem pior. O seus dedos tocam uns nos outros, como se ele tivesse a contar os últimos compassos da minha respiração.
Viramo-nos para o nosso lado esquerdo, para não ter de continuar a encarar aquela atitude doentia de olhar fixamente, fazer sons estranhos e lamber os cantos da boca com a língua. Argghhhh! Help!
Ao nosso lado esquerdo a nossa companhia. Só ela nos pode reconfortar naquele momento. Ao lado depois, a famosa mesa de vidro com um vaso com flores artificiais, cheias de pó.
Em vez de terra, umas bolas feitas de platina seguram o caule da planta, que algures entre as folhas poeirentas e bolorentas ainda tem uma daquelas bolas de natal foleiras.
Também tudo isto seria perfeitamente normal se não fosse o facto de estarmos em plena Primavera. Ah, e como poderá a minha pessoa esquecer essas grandes formas de entretenimento das clínicas e dos consultórios. Não há tv e mesmo que haja está desligada. É só para fazer efeito e para quando a inspecção vem, o director da clínica responder : "Ah, sabe, meu caro inspector, nós somos muito actualizados e queremos que durante o tempo que os nossos clientes esperam, estes tenham a maior comodidade. Já agora, tenho ali uma maca vazia. Quer ter uma conversa mais íntima?
Os restante pormenores ficam à mercê das vossas mentes perversas...
E as revistas? Ah, as revistas. Não é bom estarmos em pleno século XXI e nos consultórios ainda existirem Novas Gentes, Marias, TV7 dias, entre tantas outras obras de referência, que datam da década de 90? Se nos atrevermos a desfolhar essas revistas vemos fantásticos resumos da Xiquinha da Silva, temos fantásticas notícias sobre as Spice Girls, podemos verificar qual a programação do canal CNL... Essas fontes inspiradoras que nos mostram que a RTP comanda as audiências, que a princesa Diana fez mais um grande feito para a Humanidade e que a Amália Rodrigues tinha nessa semana um concenrto no Tivoli (Ah, fadista! Ganda Maluca. Tu tás lá Amália.)
Como podem ver os consultórios de médicos são preciosos para testar a nossa cultura - a cultura que tinhamos nessa altura não seria muita, já que em 90 e tal teriamos 6, 7, 8 anos, por aí. Mas é bom ter todas estas efemérides. Viva à gestão das clínicas que se esquecem de renovar o material literário. Hip, hip, hurra!

(Isto ainda continua... não saiam daí. Stay tuned...)
Xúphia

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