quinta-feira, março 17, 2005

Atendimento Hospitalar III

E a decoração que preenche a sala de espera? Para além das já referidas cadeiras duras e mal estofadas e da mesa de vidro, com flores de plásticos e revistas bem antigas ( que por pouco não encontramos lá a Crónica Feminina, que é uma fantástica revista de bolso, pra aí dos anos 80 e tal), temos ainda aquelas outras obras de arte que são aqueles quadros do Algarve antigo, com burros, charruas, mulheres com buço, os homens e as suas forquilhas de estimação. Ou então, uma cidade ainda quando não era cidade, com caminhos de cabra, velhas à varanda a bater os tapetes, mulheres com bilhas à cabeça, um burro algures parado no meio do caminho porque o seu dono foi ali atrás da árvore fazer uma certa coisa que ninguém faz por ele.
E os cenários à beira-mar? Oh meus amigos, ele são barquinhos de canas a balançar no mar, a marina inexistente, o rei do bacalhau, as peixeiras a gesticular, tal qual Cesário Verde e as suas varinas de ancas opulentas.
E enquanto observamos os quadros, é entrar gente a montes, a abarrotar a sala de espera. À porta o lelo pai, o lelo avô, é o puto, é a lela mãe, são os dois gémeos ao colo da filha, irmã daquela que também tá grávida agora. É a gaja do balcão a gritar com uma paciente para ela aguardar. É o médico a sair para ir lanchar, olhando-nos de lado, como se nós fossemos a causa da sua aparente fome. É a filha da velha a reclamar que a mãe tá ali há duas horas e que já entraram pessoas que estavam atrás dela. É o homem psicopata a olhar fixamente. É o velho a ressonar. "Cátia Vanessa!" para lá, "Manuel Maria, tá quieto senão levas", para cá. É o lelo mais velho pronto a sacar da navalha porque o médico nunca mais volta. São os camones que não fazem nenhum esforço para entender o português. É a enfermeira a passear de um lado para o outro. É a gaja do balcão a chamar a enfermeira para lhe ajudar a explicar aos camones que aquela clínica é privada e que eles se tão doentes têm mas é de ir ao hospital. É o barulho! É a loucura! Somos nós, lá no meio daquilo tudo. É este o verdadeiro e implacável retrato das clínicas e consultórios portugueses, que afinal não diferenciam muito dos hospitais.
O horror. O drama. A tragédia.
Imagens reais, não com Artur Albarran (ele que vá mas é esfolar vacas) mas sim com aquela que tá sempre lá, e que sim, gosta de violência e armários e loucura e cabarés e, pronto chega...
Eu vou mas eu volto!
Sempre, Xúphia.

Sem comentários: